Liberdade Liberdade... um bem tão precioso que as pessoas buscam na internet sem se cansarem. Algumas não se sentem livres na vida real. Outras estão livres sim, mas querem se sentir ainda mais livres. Sim, eu SOU e eu ESTOU livre. E minha liberdade aceita a liberdade dos outros e aceita regras. Eu não sou um anarquista, não gosto de anarquismo, não gosto de liberdade demais. Não quero liberdade pra fazer o que quiser, acima do certo e do errado, do bem e do mal, e do sentimento das pessoas. Não quero que minha liberdade sirva para massagear o meu próprio ego e magoar às outras pessoas. Não quero a liberdade de poder fazer um canal de IRC nazista e saber que um dos meus melhores amigos, que é judeu e mora em Curitiba, ficaria profundamente magoado comigo se soubesse disso. Aliás, não quero magoar NENHUM judeu. Não quero a liberdade de poder fazer um canal de IRC racista e saber que os negros se sentem ofendidos e ultrajados com isso. Nenhum negro, não apenas os que são meus amigos, não apenas porque eu sou brasileiro e, como todo brasileiro, eu tenho, sim, sangue negro em minhas veias. Não quero a liberdade de ser Operador de um grande canal de uma rede de IRC e colocar topics nesse canal levando as pessoas a visitarem endereços com mentiras e gozações, não quero a liberdade de ficar rindo dos usuários do canal onde sou Operador como se eles fossem um bando de palhaços cuja única função é me divertir. Não, eu não quero a liberdade pra ridicularizar quem não merece. Eu não quero a liberdade de me achar humanamente superior aos outros porque eu tenho mais tempo de Internet que eles, ou porque eu entendo mais de Linux do que eles, ou porque eu moro numa casa ou num bairro melhor do que eles, ou porque meu carro é melhor do que o deles. Eu não quero a liberdade de poder atacar e derrubar os servidores de IRC mantidos pelos outros, de invadir máquinas dos outros, de destruir o trabalho alheio, pra depois me achar superior a todo mundo por eu ser capaz de fazer isso. Eu não quero a liberdade de poder beber quanto quiser e lembrar de como algumas pessoas que eu amo ficam chatas e desagradáveis quando bebem. Não quero ter a liberdade de me drogar e lembrar de um ex-namorado meu que tinha essa liberdade, se viciou e destruiu a própria vida, transformando a nossa relação em um ano de sofrimento. Eu não quero a liberdade de dizer o que eu quero e, ao olhar para as pessoas que estão ouvindo, perceber que algumas delas se magoaram com isso. Eu não quero a liberdade de poder fazer o que eu quero na minha vida de fora do IRC, de puxar briga com as pessoas, de bater covardemente em quem não pode se defender, de ferir os outros apenas para me sentir melhor do que eles. Eu não quero a liberdade de pegar os dados das pessoas na Internet e publicá-los para os outros lerem. Eu não sou hetero, mas se eu fosse, eu não iria querer ter a liberdade de chamar os gays de coisas horrendas, de dizer que eles se prostituem pra viver, de dizer que eu sou superior a eles por eu não ser como eles. Não quero ter a liberdade de esconder a minha homossexualidade e, no meu esforço de me esconder, fazer piadinhas com a sexualidade dos outros e ridicularizá-los, esperando que com isso os meus amigos não percebam que eu sou tão gay quanto aqueles de quem eu estou rindo. Não quero a liberdade de ter uma relação amigável com pessoas no IRC, quando estou longe delas, e ao viajar e visitar a cidade onde moram, passear, beber, me divertir, mas não ser capaz de fazer-lhes uma simples visita. Ou, pior ainda, ir na mesma festa que essas pessoas e não falar com elas. Estou entrando no IRC desde 1996, e já vi como as pessoas são livres nele, e fazem o que querem. Já vi todas essas liberdades e eu poderia me atrever a dizer que, com todo o "status" que eu tenho no IRC, eu as teria todas nas mãos hoje, se eu quisesse, porque aqui em Floripa, o IRC transborda, se alastra, infecta a vida real como uma doença, como um vírus, e eu vejo muitas pessoas em volta de mim me idolatrando como se eu fosse algum ser metafísico onipresente e poderoso, alguma criatura de nível cósmico superior, por ter "status" no IRC. Só que eu lamento... aliás, eu NÃO lamento ter que decepcionar essas pessoas, mas eu não sou nada de especial. Eu sou apenas humano, sou mortal. Eu preciso me lavar, senão eu fico sujo e começo a cheirar mal, preciso ir no banheiro, senão eu faço sujeira nas calças, preciso comer senão eu morro de fome, preciso dormir, pois eu não posso viver sem descanso. Eu lamento... aliás, eu NÃO lamento decepcionar a quem crê na superioridade dos IRCops, mas eu não solto raios pelas mãos, não posso destruir as pessoas, não sou superior a ninguém. E acima de tudo, eu NÃO lamento dizer que não, eu não quero nenhuma dessas liberdades ou supostos poderes que esse mundo virtual me oferece. Sim, eu sou uma bicha crente, chata, velha e quadrada que não gosta de liberdade. E eu me orgulho de ser crente, chato, quadrado, porque a maior liberdade que eu poderia querer ter na minha vida, eu tenho: liberdade pra amar as pessoas o suficiente pra jamais querer que a minha liberdade as machuque, as magoe, as oprima. E então eu percebo que eu não preciso de mais nada. Pode ser que minha idéia de liberdade pareça uma prisão para você que está me lendo. Mas por favor, não sinta pena de mim. Estou feliz, e me sinto livre em minha prisão. Estou bem com a minha liberdade. Por favor, não me ofereça a sua.
O IRC é uma coisa incrível... :)
Relatos das minhas mais absurdas experiências no IRC, com toda sorte de esquizofrênicos e pessoas estranhas que conheci por lá... :)
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